Até onde chegará o Brasil com a Covid-19?

Eduardo Mota

Ocorreu um aumento mais acelerado do número diário de casos novos confirmados de Covid-19 no Brasil. Foram 3.257 pessoas acometidas em 17/04, o maior valor da série desde o início da pandemia no país, e 2.917 pessoas em 18/04, o que corresponde a incidência de, respectivamente, 15,5 e 13,9 por milhão de habitantes1.

O número diário de óbitos também aumentou, alcançando 217 em 17/04 e 206 em 18/04. O número total acumulado de casos ultrapassa 40 mil, e o número total de mortes é 2.575. Estimativas dão conta de que o número de casos irá dobrar em nove dias e o número de óbitos será o dobro em sete dias, se a epidemia seguir o curso atual e ressalvada a subnotificação. A se confirmarem as projeções, ao final desse mês pode-se registrar mais de 70 mil pessoas notificadas com a doença e 5 mil óbitos.

Isso se relaciona com a rápida expansão da transmissão do novo coronavírus para os estados das regiões Norte e Nordeste, enquanto persiste a progressão da epidemia nas regiões Sul e Sudeste, notadamente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo e nas áreas periféricas mais pobres dos grandes centros urbanos.

Agora, ainda mais, é necessário manter as medidas de isolamento social e restrição de circulação de pessoas.

Dados que possibilitam comparar a evolução da pandemia entre países estão disponíveis em diversas plataformas e sites, porém, o que se obtém em https://ourworldindata.org/coronavirus é especialmente útil 2, como se apresenta a seguir.

 

A situação de cada pais, em relação a progressão da pandemia, é diversa sob vários aspectos. Isso porém, não deve impedir a comparação simples dos padrões de evolução de casos diários e da incidência diária, ou de outros indicadores3, ainda que sem padronização de taxas, apenas para visualizar a intensidade do crescimento do número de pessoas acometidas no mesmo período de tempo e as diferenças entre países.

A incidência de casos novos de Covid-19 registrada em 18/04 na Espanha (110,7) é 8 vezes maior que a do Brasil na mesma data, como se nota nos gráficos acima. Porém, essa incidência em nosso país é semelhante à que a Espanha apresentou em 13 de março de 2020 (12,8), quando se iniciou o aumento vertical da incidência da doença naquele país. Estaríamos, nesse momento, no limiar de decidir se a suspensão do isolamento social é o melhor caminho a seguir para evitar mortes e reduzir o impacto da doença? Há informações suficientes que possibilitem decisões com segurança?

Sabemos que os países da Europa que tiveram grande número de casos e elevada mortalidade, em apenas um mês de explosão epidêmica, sentiram os graves efeitos de retardar a implantação de isolamento social. Na Espanha, medidas de forte restrição de circulação e isolamento foram implantadas em 14 de março, data em que aquele país tinha registrado 1.227 casos novos e incidência de 26,2 casos novos por milhão de habitantes. Até 18/04, a Espanha acumulou 188.068 casos e 19.478 mortes pela doença, atrás apenas dos Estados Unidos, e pretende estender as medidas de isolamento até 9 de maio.

A questão é se o Brasil vai esperar uma explosão epidêmica de maior vulto para manter ou ampliar as medidas restritivas, ou se optará agora pela flexibilização e pelo “isolamento seletivo”, sem as informações necessárias para tomar essas decisões, como a aplicação de teste rápido em massa, entre outras ações.

Certamente um crescimento verticalizado do número de casos provocará entre nós uma mortalidade muito maior do que ocorreu em outros países, contando apenas aqueles que têm melhores condições de assistência hospitalar especializada e UTI do que o Brasil. Já se tem notícia da ocupação de 90% a 100% dos leitos de UTI em alguns estados brasileiros.

Tendo iniciado o isolamento social ainda quando era mais baixa a incidência, o Brasil poderá perder esta vantagem rapidamente, caso opte agora pela suspensão das medidas de isolamento e restrição de circulação e, em consequência, enfrentar uma situação especialmente crítica em pouco tempo. É o momento de examinar o que ocorreu em outros países e aprender lições.

Nota-se ainda, nos gráficos anteriores, que os países da Europa que experimentaram um crescimento acelerado da incidência, apresentam atualmente certa tendência à diminuição, passados 30 a 40 dias de forte restrição e isolamento. A Itália iniciou isolamento total em 9 de março, e a Alemanha, país com a menor mortalidade pela doença, em 17 de março, e ambos estenderão também a restrição até a primeira semana de maio próximo, pelo menos.

A aceleração do número de casos no Brasil, ao nível do que se observou na Europa, exigirá ainda mais restrições e por tempo mais prolongado, com efeito devastador sobre a mortalidade por Covid-19, dadas as limitadas condições de assistência hospitalar que existem no país, principalmente nos estados do Norte e Nordeste4.

 

 

A situação em alguns países da América Latina é igualmente crítica, em especial no Peru, Chile e Equador, como se apresenta no gráfico acima. No Peru, em isolamento “obrigatório”, como denominam, medidas de maior restrição foram implantadas recentemente.

Manter o isolamento social, com cobertura de pelo menos 70% agora e por mais algumas semanas, reduzirá o impacto da doença sobre a morbidade e mortalidade, até que se ampliem as condições de assistência hospitalar especializada e que sejam obtidas as informações necessárias para uma gestão segura da crise, tal como conhecer o nível de imunidade coletiva já alcançado em cada local, considerando a elevada proporção de infecções assintomáticas. Considera-se, também, que manter o isolamento social nesse nível proporcione o acúmulo progressivo da imunidade coletiva, com o menor efeito possível sobre a morbidade e mortalidade ao longo do tempo.

O exame da situação com relação a mortalidade por Covid-19 em alguns países da Europa e nos Estados Unidos poderia nos ensinar também algumas lições. O gráfico a seguir apresenta a mortalidade acumulada, por dia, por milhão de habitantes, no Brasil e em alguns países onde ocorreram curvas epidêmicas verticalizadas.

Em 18 de abril, a Espanha tinha a maior mortalidade acumulada por Covid-19 (417 óbitos por milhão de habitantes equivalente a 19.478 mortes). Porém, os maiores números de óbitos ainda estão com os Estados Unidos (35.463 mortes) e a Itália (22.170 mortes), com mortalidade de, respectivamente, 107 e 368 óbitos por milhão de habitantes.

Para ter uma ideia do quanto é explosiva a epidemia e o seu efeito devastador sobre o risco de morrer, na ausência de medidas consistentes de isolamento para prevenir a transmissão, observa-se, no gráfico complementar acima, que há menos de três semanas, em 01/04, os Estados Unidos tinham mortalidade de 12,3 por milhão de habitantes, 9 vezes menor do que apresenta agora. E a Espanha tinha mortalidade 2,4 vezes menor do que tem agora, no mesmo período curto de tempo.

Com mortalidade acumulada por Covid-19 de 11,0 óbitos por milhão de habitantes, em 18/04, a decisão à frente é se serão mantidas as condições para seguir com uma mortalidade relativamente baixa, como é o caso da Alemanha (51 óbitos por milhão de habitantes e 4.193 casos de morte) ou se vamos enfrentar a situação de mortalidade que se verificou nos Estados Unidos, Espanha e Itália.

Atualmente, no Brasil, do total de casos de Covid-19, 7.919 estão em estado grave necessitando de hospitalização. E convém lembrar que há também 1.888 internações de pacientes com Influenza A e B e muitas outras por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) não especificada5. Com a aproximação dos meses mais frios do ano poderá ocorrer aumento de casos de SRAG por outros vírus causadores de gripe sazonal, pressionando a infraestrutura de serviços de saúde e a capacidade instalada de assistência hospitalar.

Com relação a mortalidade, alguns países da América Latina, como Equador e Peru já estão enfrentando situações críticas, como se pode observar no gráfico abaixo.

Sabe-se que o isolamento social e a restrição de circulação de pessoas são as únicas medidas coletivas possíveis, na ausência de terapia antiviral eficaz e vacina, para enfrentar a possibilidade de saturação dos leitos hospitalares de UTI e aumento insuportável do número de óbitos. Isto foi o que entenderam, embora tardiamente, alguns países que inclusive têm melhor infraestrutura de assistência hospitalar.

Com o crescimento do número de casos nos estados do Norte e Nordeste e a franca progressão da epidemia nos estados da região Sudeste, não há qualquer argumento ou critério suficientemente consistente ou informações necessárias para reverter o isolamento social em uma cidade ou região, sem que isto possa resultar no recrudescimento da expansão da epidemia. Ainda não se conhece tudo sobre o novo coronavírus e como se comportará epidemiologicamente nas diversas regiões e áreas do país, além do que se conhece sobre sua elevada transmissibilidade e letalidade em idosos e portadores de condições crônicas.

Estudos sobre a situação local da imunidade contra o novo coronavírus estão sendo realizados nos estados e se anuncia a aquisição de kits de teste rápido para ampliar o conhecimento sobre pessoas com a infecção. Espera-se que essas iniciativas produzam as informações necessárias para decisão baseada em evidências.

Sete em cada 10 mortes por Covid-19 no Brasil ocorreram em pessoas com mais de 60 anos. Projetos políticos ou diretrizes econômicas não devem estar na agenda prioritária de governos que tenham responsabilidade sanitária, mas, sim, a proteção e a preservação da vida.

 

Eduardo Mota é epidemiologista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.

 

 

Notas:

1 - Dados sobre COVID-19 no Brasil, ver em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/18/2020-04-17---BE11---Boletim-do-COE-21h.pdf e sobre população, ver: Estimativas da população residente nos municípios brasileiros com data de referência em 1º de julho de 2019. Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas - DPE -  Coordenação de População e Indicadores Sociais - COPIS. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?=&t=resultados

2 - Dados e informações de domínio público via internet. Disponível em: Max Roser, Hannah Ritchie, Esteban Ortiz-Ospina and Joe Hasell (2020) - "Coronavirus Disease (COVID-19) – Statistics and Research". Published online at OurWorldInData.org. Retrieved from: 'https://ourworldindata.org/coronavirus' [Online Resource].