Clima tropical e altas temperaturas não impedem disseminação da Covid-19, aponta estudo

Clima, distâncias geográficas, aspectos socioeconômicos e conexões internacionais via transporte aéreo foram as variáveis analisadas em um estudo para verificar a influência de cada uma nas taxas de crescimento de Covid-19 entre os países mais atingidos pela doença no mundo. O estudo foi realizado em parceria por pesquisadores da UFBA e das universidades federais de Goiás (UFG) e de Jataí (UFJ), através do grupo de trabalho em “Macroecologia Humana” do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia (INCT) em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade (EECBio). 
 
Entre as variáveis pesquisadas, o maior impacto observado nas taxas de crescimento da doença está relacionado aos transportes aéreos e suas conexões entres os diferentes países e aeroportos. Por outro lado, não foram identificadas influências de fatores climáticos para diminuição ou aceleração da propagação do novo coronavírus.
 
“O clima não tem sido uma barreira para conter a disseminação do vírus”, afirma o professor Ricardo Dobrovolski, do Instituto de Biologia da UFBA, que integra o grupo de pesquisadores. O estudo preliminar, em fase de revisão científica para publicação, foi apresentado em preprint publicado no site medrxiv (servidor de preprints especializado na área de saúde), no último dia 6 de abril. 
 
Dobrovolski aponta o exemplo do Brasil, país de clima tropical e altas temperaturas, que teve a segunda maior taxa de crescimento exponencial da Covid-19 identificada pelo estudo (0.27), atrás apenas dos Estados Unidos (0.29), conforme aponta o mapa. Os resultados demonstram que as condições climáticas não impactam nas taxas de crescimento do vírus nos diferentes países, ao contrário do que sugeriam alguns estudos prévios sobre o comportamento de outros tipos de vírus sob altas temperaturas.
 
O estudo calculou as taxas de crescimento da doença causada pelo novo coronavírus em 44 países que registraram 100 ou mais casos e para os quais as séries temporais já tinham mais de 10 dias após esse centésimo caso. Os resultados foram relacionados às variáveis pesquisadas. Através de um modelo estatístico, foram considerados ainda logaritmos como o tamanho da população e o produto interno bruto de cada país.
 
Por outro lado, o fato de o Brasil ser um país relativamente bem conectado por voos internacionais na região da América do Sul e suas relações comerciais internacionais ajudam a explicar a taxa de crescimento exponencial verificada no país. Foram considerados nesse estudo informações de transportes da Open Flights, com dados de mais de 60 mil conexões entre mais de 7 mil aeroportos de todo o mundo.
 
Em uma análise de dados em escala global, as taxas de crescimento foram observadas a partir dos número de novos casos diários de Covid-19 registrados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC) e pela universidade Johns Hopkins.
 
As condições climatológicas foram incorporadas à análise a partir de dados das médias mensais de temperatura e precipitação pluviométrica referentes aos meses de dezembro de 2019 a março deste ano, obtidos através da WorldClim data base. Informações socioeconômicas foram consideradas a partir do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países e de informações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
 
As questões geográficas e os aspectos socioeconômicos também não demonstraram exercer grande impacto na fase inicial de crescimento da doença, constatou o trabalho científico. No entanto, conforme pondera Dobrovolski, os indicadores socioeconômicos, a exemplo das condições sanitárias, renda e investimento em saúde, deverão exercer um peso maior ao longo das fases seguintes de combate à pandemia, podendo influenciar nas estratégias de enfrentamento à doença – como, por exemplo, na capacidade de testar a população.
 
O pesquisador avalia que as decisões dos poderes públicos também são fundamentais nas etapas seguintes para conter as taxas de crescimento. Cita o exemplo da China, que tem conseguido controlar o número de novos casos com políticas de isolamento social, em contraste às situações vivenciadas na Itália, Espanha e Estados Unidos, que demoraram de adotar medidas de isolamento. Essas medidas podem evitar maiores taxas de infectados, de mortes e o colapso dos sistemas de saúde, adverte.
 
Dobrovolski aponta o papel fundamental da ciência para a tomada de decisões durante essa crise. “E a ciência tem apontado para o isolamento social como medida para combater o avanço do vírus”, diz ele, analisando que não é o momento para afrouxar as medidas de isolamento. “A ciência é importante para entender o desconhecido. A pandemia é uma situação dessas”, acrescenta.