Games podem ajudar na fisioterapia e no condicionamento físico em tempos de isolamento

Pouco mais de um mês após o primeiro caso de Covid-19 ser registrado no país, o isolamento social já afeta mais da metade dos brasileiros. Por opção ou necessidade, agora, 54% das pessoas saem de casa apenas quando necessário — para comprar comida, por exemplo. Atividades que antes faziam parte da rotina, como se exercitar e socializar com familiares e amigos, foram colocadas em segundo plano diante da gravidade do cenário.
 
Mas, e se o costume de jogar videogame, crescente entre os brasileiros, pudesse ser utilizado para interagir com pessoas em outros lugares e também para a melhoria do condicionamento físico, cardiovascular e respiratório, além de ser um aliado no tratamento de condições de saúde?
 
Essa aplicabilidade dos games, em especial para tratamentos fisioterapêuticos, é defendida e estudada pelas professoras Adriana Saraiva Aragão dos Santos e Karen Valadares Trippo, do Departamento de Fisioterapia do Instituto de Ciências da Saúde (ICS/UFBA). As pesquisadoras realizaram investigações que associam a melhora de disfunções em pacientes que são tratados pela gameterapia, técnica que consiste no uso do videogame no tratamento fisioterapêutico — e que pode ser um caminho para pacientes e fisioterapeutas que precisam dar continuidade a tratamentos em tempos de pandemia.
 
As pesquisadoras explicam a técnica. “Quando se realiza a Terapia de Exposição à Realidade Virtual, mais conhecida como gameterapia, você utiliza uma interface entre o paciente e o jogo. Pode ser um Nintendo, um XBox com sensor de movimentos, um PlayStation com câmera ou ainda um óculos com realidade virtual. Nesse tipo de tratamento, o estímulo é multissensorial e multidimensional, por envolver os aspectos físico, cognitivo e emocional”, explica Karen Trippo. A prática é reconhecida pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) desde 2015, embora ainda não seja uma realidade frequente dentro dos consultórios. “As evidências científicas são novas e estamos nesse processo de entender o videogame como uma ferramenta de reabilitação, como um recurso de fisioterapia como qualquer outro”, afirma Adriana Saraiva.
 
Mesmo recentes, as evidências são promissoras e já revelam as vantagens do uso da gameterapia em relação aos métodos tradicionais. Estudos conduzidos pelas professoras Saraiva e Trippo apontaram melhoras de sintomas e sinais de incontinência urinária em mulheres tratadas com realidade virtual ao longo de 24 sessões. As pacientes foram tratadas com “exergames”, jogos que exploram movimentos do corpo e se assemelham aos exercícios físicos.
 
Ao longo do tratamento, realizado na Clínica Escola de Fisioterapia da UFBA, foram observadas maior adesão das pacientes, que não abandonaram a terapia; melhora no quadro; incremento na qualidade de vida; e relatos sobre a satisfação com os ganhos da atividade. Resultados semelhantes foram alcançados em estudos que exploram o uso da gameterapia no tratamento de pacientes com Doença de Parkinson, aos quais recomenda-se a realização de exercícios físicos para melhoria dos sintomas associados à progressão da doença. Desenvolvido em conjunto com outros pesquisadores da UFBA, o estudo sugere uma melhora no equilíbrio e na mobilidade de adultos com a doença.
 
Encurtamento do tratamento e maior adesão são outras vantagens da gameterapia. “Há uma melhora em todos os aspectos que avaliaríamos se essa paciente fosse tratada da maneira tradicional. Por parte deles, vemos a surpresa e a curiosidade, mas também a ressignificação da terapia”, relata Karen Trippo. Saraiva completa. “O ânimo do paciente não vem só com o fato de ter o videogame, mas com a melhora dos sintomas frente à terapia. Se houver o videogame, mas o paciente não observar melhora, ele não vai avaliar bem. E sabemos que há resultados, só é preciso que o fisioterapeuta saiba conduzir o tratamento de forma adequada aos objetivos de cada um”, conclui.
 
Para além do tratamento 
 
Mesmo aqueles que não estão em tratamento fisioterapêutico podem se beneficiar do uso da realidade virtual ao longo da quarentena. Nesses casos, o game surge como uma forma de melhorar ou manter o condicionamento físico, socializar e contribuir com o bem-estar e saúde mental, amenizando, assim, o isolamento. Basta um dispositivo como o celular, um aparelho de videogame ou, se tiver em casa, um óculos de realidade virtual. Jogos comerciais, de corrida, esportes, ação e aventura aliam brincadeira e movimento e oferecem recursos que o usuário, muitas vezes, nem desconfiava.
 
“Se a pessoa possui indicação para fazer um exercício físico tradicional, não há contraindicação para realizar o exercício com o videogame em casa”, afirma Saraiva. Os benefícios são diversos como a liberação de endorfina e consequente sensação de bem-estar. “Com essas atividades, há um reforço no sistema imunológico provocado pela sensação de bem-estar e redução do estresse. Há também melhora na ventilação pulmonar. Até então, sabemos que o sistema respiratório é o mais afetado pela Covid-19, dessa forma, reforçar esse sistema pode ser uma forma de ajudar a pessoa a manter seus sistemas funcionando da melhor maneira ao encarar uma possível contaminação”, afirma Karen Trippo.
 
Apesar da situação adversa provocada pelo isolamento e pela Covid-19, a professora Adriana Saraiva enxerga reflexões e aprendizados que podem gerar novas práticas. “Todas as áreas da saúde aprenderam muito com essa situação, pois precisaram se reinventar para levar saúde à população. Com esse momento, talvez as pessoas vejam que o videogame poderia ter sido melhor utilizado, que talvez tenhamos perdido um pouco dessa oportunidade. Esperamos que isso seja mais valorizado daqui para frente, seja para a realização de exercícios físicos ou para dar continuidade ao tratamento fisioterapêutico.”
 
Profissionais de fisioterapia que buscam entender mais sobre a Terapia de Exposição à Realidade Virtual podem acessar o perfil no Instagram GameterapiaBrasil. No canal, as pesquisadoras difundem, por meio de Workshops e Webinários, formas de transformar videogames comuns, que os próprios pacientes podem ter em casa, em instrumentos de reabilitação.