Norte e Nordeste têm defasagem de leitos de UTI em relação às outras regiões do país

 

Eduardo Mota

A capacidade instalada de leitos de UTI nas regiões Norte e Nordeste pode ser considerada precária em relação ao restante do país, como se apresenta adiante neste trabalho.

Com efeito, na região Sudeste há 2,71 leitos UTI existentes por 10 mil habitantes (incluindo os leitos do sistema privado de saúde) e 1,16 leitos UTI SUS por 10 mil (nos estabelecimentos da rede própria pública ou contratada ao SUS), padrão que se verifica em todos os estados da região, assim como nos estados da região Sul, com 2,18 leitos UTI existentes por 10 mil habitantes e 1,39 leitos UTI SUS por 10 mil. Na região Centro Oeste, Brasília apresenta 4,49 leitos UTI existentes por 10 mil e 1,12 leitos UTI SUS por 10 mil habitantes. Os demais estados dessa região têm 2,21 leitos UTI existentes por 10 mil habitantes e 1,0 leito UTI SUS por 10 mil. Somente o estado de Mato Grosso tem menos de 1 leito UTI SUS por 10 mil (0,88). Além disso, a proporção de municípios com leitos de UTI é de 8,2% na região Centro Oeste, 10,0% na região Sul e de 15,5% na região Sudeste, indicando maior dispersão da oferta desses leitos nos estados dessas regiões.

Em contraste, a situação da limitada oferta de leitos de UTI nas regiões Norte e Nordeste se agrava especialmente em vista da maior concentração desses leitos nas capitais e em centros urbanos de maior porte, das dificuldades de transporte e das limitações de acesso a serviços de saúde. Além disso, a população dessas regiões tem maior dependência do SUS para serviços assistenciais especializados em função das suas condições socioeconômicas.

Com a recente expansão de grande intensidade da epidemia de COVID-19 para os estados das regiões Norte e Nordeste, examina-se com detalhe a situação da oferta de leitos de UTI nessas regiões, considerando que o rápido aumento do número de casos da doença poderá levar à saturação da disponibilidade de leitos especializados, comprometer a qualidade da assistência aos pacientes mais graves e provocar aumento da mortalidade pela doença.

Apresentam-se os dados sobre leitos de UTI, do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), de domínio público, acessados em 14/04/2020, considerando apenas os tipos definidos como terapia intensiva (adulto, neonatal, pediátrica e coronariana), como se explica nas notas dos quadros a seguir, com dados sobre os leitos UTI existentes (total de leitos não-SUS e leitos SUS) e sobre leitos UTI SUS separadamente, calculando-se a razão leitos UTI/população por 10.000 habitantes.

A recente e rápida progressão da epidemia de COVID-19 para os estados da região Norte e Nordeste e sua grande intensidade em alguns estados dessas regiões, representa um alerta especial sobre as deficiências na infraestrutura assistencial especializada existente, e clama por ações emergenciais robustas para reduzir a mortalidade pela doença. Há estudos que tratam desse tema mais detidamente.

Ver em:

Em meio à pandemia de coronavírus, Brasil enfrenta “desertos” de UTIs

Boletim Informativo do PROADESS, no 4, fev./2019. Monitoramento da assistência hospitalar no Brasil (2009-2017)

Atenção Hospitalar (Leitos e Internações)

Na região Norte, com exceção de Rondônia, os estados apresentam menos de 1 leito de terapia intensiva do SUS por 10.000 habitantes, com total igual a 0,79/10 mil. Mesmo considerando a totalidade dos leitos existentes, incluídos aqueles do sistema privado, Acre e Roraima ainda apresentam menos de 1 leito UTI/10 mil habitantes. Para a região, o número de leitos UTI existentes por 10 mil habitantes é igual a 1,26.

Leitos UTI SUS correspondem a 63,0% do total de leitos UTI na região Norte. Essa proporção varia de 37,4%, no Amapá, a 72,9%, em Roraima.

Na região, somente 6,9% dos municípios possuem leitos UTI, mas, essa proporção varia de 1,6%, no Amazonas, a 12,5%, no Amapá, e inclui todas as capitais. Considerando somente os municípios com leitos UTI, a população (população coberta) desses municípios corresponde a 50,5% da população total da região. Por estado, essa proporção varia de 47,1%, no Pará, a 73,9%, no Amapá.

As capitais dos estados da região concentram a maior proporção de leitos UTI, porém, no Amazonas e em Roraima, todos os leitos UTI se localizam no município da capital.

Segundo o Ministério da Saúde, os estados do Amazonas e Amapá já lideram, no país, os níveis de incidência acumulada de COVID-19, respectivamente 303 e 281 por 1 milhão de habitantes, em 13 de abril de 2020, com 1.275 (71 óbitos) e 242 (5 óbitos) casos confirmados e em expansão. Considerando que os casos confirmados sejam os hospitalizados, o longo tempo de permanência de hospitalização e a demanda por leitos de UTI, esses estados devem estar próximos da saturação dos leitos disponíveis.

As características especiais da região Norte exigiriam soluções que considerassem a grande dispersão da população, baixa densidade demográfica, população indígena, distâncias e vias de transporte etc. Nos últimos vinte anos, o tratamento negligenciado ao SUS, as dificuldades de implantação de maior cobertura da atenção básica para reduzir internações hospitalares por causas evitáveis e a persistência de doenças endêmicas, entre outros fatores socioeconômicos, resultaram no quadro atual, com importantes desigualdades regionais. Ao mesmo tempo, observou-se o crescimento da assistência hospitalar especializada privada, que responde hoje por quase 40% da oferta de leitos de UTI na região.

Na região Nordeste, com exceção da Paraíba, Pernambuco e Sergipe, os estados apresentam menos de 1 leito de terapia intensiva do SUS por 10.000 habitantes, com total igual a 0,87/10 mil. Para a região, o número de leitos UTI existentes por 10 mil habitantes é igual a 1,52.

Leitos UTI SUS correspondem a 57,0% do total de leitos UTI na região Nordeste. Essa proporção varia de 53,1%, em Pernambuco, a 65,7%, em Sergipe. Na região, somente 5,5% dos municípios possuem leitos UTI, mas, esta proporção varia de 2,7%, em Sergipe e Piauí, a 10,3%, em Pernambuco, e inclui todas as capitais.

Considerando somente os municípios com leitos UTI, a população (população coberta) desses municípios corresponde a 43,2% da população total da região. Por estado, essa proporção varia de 32,1%, no Maranhão, a 52,3%, em Pernambuco.

As capitais concentram a maior proporção de leitos UTI, porém, em Sergipe, os leitos de UTI estão em somente um outro município (Lagarto), com 10 leitos, além da capital Aracaju.

A Bahia tem 46 municípios com população maior que 50.000 habitantes (IBGE, fevereiro 2020), mas, somente 23 desses têm leitos de UTI. No estado, há registro de 1.152 leitos UTI SUS e 0,77 leitos UTI SUS por 10 mil habitantes. A expansão da epidemia, sobretudo para municípios das diversas regiões de saúde, representa uma preocupação especial, uma vez que somente 25 dos 417 municípios têm leitos UTI e, entre esses, 22 municípios têm leitos UTI SUS. Desses leitos, 76,7% concentram-se em: Salvador (54,1%), Feira de Santana (7,0%), Vitória da Conquista (6,5%), Itabuna (5,1%) e Jequié (4,0%).

A instalação emergencial de hospitais de campanha e a aquisição de equipamentos especializados para a assistência em terapia intensiva aos pacientes de Covid-19 pode minorar o impacto da epidemia sobre a mortalidade, embora o isolamento social e outras medidas de restrição de circulação, se implantadas adequadamente e por tempo suficiente, poderão reduzir a demanda acelerada por leitos de UTI.

 

Eduardo Mota é epidemiologista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.